sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Dupla Face

No mundo da ficção, Deborah Secco está acostumada a interpretar mulheres marcantes, expansivas e vulgares – nada que combine com a postura reservada e a melancolia espontânea que impulsionam sua vida real

A primeira regra sobre Deborah Secco é: "você não pergunta sobre a vida pessoal de Deborah Secco". A não ser que não se importe em escutar alguns "nãos" como resposta.

Foi um processo descrito como "longo", "tortuoso" e "necessário": certo dia, contrariada com o desgaste provocado pela exposição sempre excessiva na mídia, ela resolveu que precisaria aprender a falar "não" com mais frequência (contrariando a filosofia positivista tão alardeada nos sachês de açúcar). Também decidiu que não leria e não mais se informaria sobre o que é escrito a seu respeito. E definiu que somente falaria com a imprensa quando se sentisse preparada para tanto, contando para isso com o apoio de assessoras que a acompanham em todas as entrevistas, mesmo as mais inofensivas. Tudo arquitetado para evitar que a atriz caia em armadilhas executadas por repórteres mal intencionados. Ou para fazer ecoar ainda mais longe sua filosofia de vida, baseada no mantra "me deixe viver em paz, sou uma pessoa comum".

"As pessoas têm uma imagem [que é] diferente da verdadeira", ela garante. "Eu levo uma vida completamente simples e distante dessa Deborah que elas criam."

Seu caso é o típico do "todo mundo acha que sabe, sem saber". Existe, de fato, uma percepção generalizada a respeito de Deborah Secco - sobre a pessoa pública, não a atriz famosa - que muito provavelmente se conflita com a maneira com que ela própria se reconhece no espelho ao acordar. Entretanto, ela jura não estar assim tão preocupada em esclarecer ao mundo as muitas diferenças entre sua imagem notória e sua personalidade privada. Manter o mistério, nesse caso, funciona como a alma do negócio.
"Ao mesmo tempo em que a gente quer mostrar que é uma pessoa bacana, também é legal que ninguém imagine que sou assim", ela diz. "Porque essa é a minha fonte de inspiração, meu lugar sagrado, minha caixinha de pandora. É daqui que sai tudo. Se descobrirem esse segredo, acho que não vou conseguir criar mais nada." "Então eu nem deveria estar aqui lhe entrevistando", eu digo. Ela sorri. "Não, mas você vai escrever e ninguém vai acreditar."

Uma conclusão justa pode ser tirada após um contato mais aprofundado: não deve ser tarefa simples ser Deborah Secco.

Alavancada pela mídia como prodígio, acostumada à fama e ao assédio desde a idade escolar, a atriz também aprendeu a conviver e aceitar comentários e especulações públicas sobre o que faz ou deixa de fazer. Inevitavelmente, seus relacionamentos se tornam notícia, principalmente quando terminam ou sofrem abalos. E não raro, surgem relatos sobre fatos dos quais diz não ter participado ou não ter conhecimento. "O que me incomodou foi quando inventaram coisas que não fiz", ela reclama, seguindo um padrão de jamais citar nomes ou entrar em mais detalhes. "Era tão livre o acesso à minha vida que falaram: 'Vamos criar em cima dessa menina, que ela vende e a gente vai se dar bem'."

Parece natural que a figura reluzente, instigante e bem desenhada de Deborah, 31 anos completados em 26 de novembro, desperte o interesse dos seres humanos comuns, pelo simples fato de ela ser e se manter famosa - aparecer na TV diariamente é um mero detalhe que só aumenta o cultivo dedicado a sua vida. Quando encerrou o relacionamento de dois anos e nove meses com Marcelo Falcão, vocalista da banda O Rappa, ela não foi poupada dos questionamentos - até o destino da tatuagem que fez em homenagem ao ex se tornou tema de discussão. Recentemente, celeuma semelhante aconteceu durante suas idas e vindas com o marido, o jogador de futebol Roger Flores - com quem divide um apartamento no Rio e outro em Belo Horizonte.



A verdade é que bastam segundos diante do Google para confirmar que Deborah permanece como uma das figuras mais exploradas pela indústria das celebridades, mesmo quando pensa não ter realizado nada que merecesse tamanha cobertura. Em 2010, no que poderia ser seu ano sabático, longe de novelas e se preparando para uma onipresença midiática em 2011, ela estampou seguidas manchetes sensacionalistas. Primeiro, voltou à tona o caso sobre o suposto desvio de dinheiro público envolvendo o pai, Ricardo Secco. Outra: a união com Roger, aparentemente, não ia bem. A imprensa divulgou a separação e, meses mais tarde, a reconciliação - tudo sem comentários das partes envolvidas. "A mídia especulou, mas ninguém sabe exatamente o que aconteceu, só nós", ela diz. "O que importa é nossa relação. Senão não conseguiríamos estar juntos." Finalmente, quando o imbróglio pareceu resolvido, a atriz deixou os holofotes principais, mas permaneceu sendo observada de longe pelos paparazzi - em atividades tediosas, como visitas ao restaurante, à praia ou à academia.
"Fico tentando entender porque é comigo e não com outra atriz", Deborah se lamenta, recostando na cadeira de seu quarto de dormir. "Sou tão normal. Não gosto de sair, não bebo, não fumo, não uso drogas, não vou a festas. Fico em casa, vejo filmes, leio livros, o que há de diferente pra trazer tanta curiosidade? Porque [se eu fosse] uma pessoa que se curou de um câncer, eu dividiria com os outros. Mas minha vida é comum e banal. É igual a sua ou de qualquer outra pessoa." Comento que a óbvia diferença é que, diariamente e sem pedir licença, Deborah entra nas residências dos mortais comuns por meio dos folhetins globais que estrela com frequência quase atlética.

"É que pra mim não sou eu que estou lá", ela se faz didática. "É alguém completamente diferente de mim."
Convidada a se descrever, Deborah soa quase autodepreciativa: diurna, caseira, tímida, propensa à solidão, que prefere ficar enclausurada no quarto e deitada a comparecer a festas e eventos sociais. Para quem só a conhece pelas figuras femininas marcantes e nada discretas que interpretou com até exagerada naturalidade - a Marina de Suave Veneno (1999), a Íris de Laços de Família (2000), a Lara de O Beijo do Vampiro (2002), a Darlene de Celebridade (2003) -, tais definições parecem contraditórias. Crítica, ela enumera "milhões de defeitos", ressaltando principalmente aqueles que o telespectador dificilmente enxergaria através de um televisor de alta definição. Superados os traumas físicos (quando adolescente, se enxergava feia e magra demais - "achava meu corpo o mais horroroso do planeta"), chama a atenção o modo pungente com que afirma não viver em constante estado de graça.

"Não adianta me enganar e achar 'olha como sou boazinha! Sou uma fofa, querida, minha família é linda!' Eu não vivo num conto de fadas, não sou feliz, tenho momentos de me trancar nesse quarto e chorar, querer morrer, me sentir a pior do mundo. E tenho momentos de pular nessa cama e falar: 'Minha vida é incrível!' - como qualquer ser humano."

"Tenho várias colegas atrizes que sei que interpretam personagens de boas moças, e acredito que isso funcione com elas", Deborah se esforça para evitar a maledicência. "A minha vida é uma só, pode acabar a qualquer momento e irei fazer o que tenho vontade. Interpretar é só o meu trabalho. Não é a minha vida."




Fonte: http://www.rollingstone.com.br/edicoes/53/textos/deborah-secco/



Um comentário: